Diário de um Hortelão!

Diário de um Hortelão!

Em época de quarentena, que tal começar uma horta?

Produzir seu próprio alimento, essa é uma “conquista” para poucos atualmente, mas algo que sempre me chamou atenção, tendo avós, mãe, pai, tios e parentes que sempre cuidaram de suas hortas, logo, o “gene” das plantações se manifestou por aqui também. Esse gene permaneceu adormecido por muito tempo Nosso modelo de urbanização limitou espaços e nos tolheu de alguns metros quadrados para desenvolvermos nossas hortinhas, então, morando em apartamento, por muito tempo não ativei esse interesse, mas tudo mudou a partir da compostagem. Ao me inteirar sobre os desafios do Lixo no mundo, passei a fazer a compostagem no meu apartamento, como forma de destinar corretamente quase 50% dos resíduos que eu gero diariamente, metade do lixo de nossas casas são restos de comida e poderiam se transformar em adubo pela compostagem. Corri atrás de baldes, serragem, minhocas etc. e comecei a compostar.

Esquema do funcionamento de um minhocário.

Porém, nos primeiros meses, percebi que estava gerando pouco resíduo orgânico, ou seja, não tinha “matéria-prima” para a minha “máquina de adubo”. Ao investigar os motivos, comecei a tomar consciência do que eu estava comendo e quais resíduos orgânicos estavam sendo gerados. Não demorou muito e logo percebi que minha alimentação estava baseada em alimentos ultra processados, artificiais e embalados. Então, ao invés de gerar cascas e restos de alimento, estava gerando embalagens, plástico e outros materiais que obviamente não poderiam virar alimento para as minhas minhocas.

A partir dessa constatação, inúmeras reflexões começaram a surgir sobre a qualidade da minha alimentação. E todo um processo de reeducação alimentar começou a acontecer. Não esperava que meia dúzia de minhocas provocariam toda essa transformação. De qualquer forma, passei a “descascar mais e desembalar menos”, como dizem por aí, e compostando, em alguns meses, estava pronto meu primeiro “lote” de adubo. A compostagem resolveu o problema do lixo na minha casa, mas acendeu outra dúvida, “o que faço com esse adubo que gerei?”. Esse questionamento, associado às reflexões citadas anteriormente, levou a conclusão de que adubo, naturalmente, serve para plantar.

Na época, embalado pelas reflexões e vontade de transformar minha realidade, junto com alguns amigos composteiros de primeira viagem, fizemos um curso de Design em Permacultura, um conceito / filosofia de vida que visa criar comunidades sustentáveis. Alguns dos pilares são o espaço construído (bioconstrução), cultura e educação, saúde e bem estar e claro, manejo da terra e da natureza, entre outros.

Princípios da Permacultura por David Holmgren.

Assim, durante o curso aprendemos e colocamos em prática várias técnicas e conceitos de cultivo, totalmente inovadores para nós na época. O entendimento de que o solo é na verdade algo vivo, composto por diversos organismos, como uma grande comunidade e é a base para qualquer processo de cultivo integrado à natureza, por isso, uma das premissas é ter solo de qualidade disponibilizando nutrientes às plantas. Para isso é essencial que se proteja o solo já existente e crie-se mecanismos para produção de terra fértil.

Uma das atividades do curso foi construir uma horta com base nesses conceitos, mas antes de qualquer ação, a permacultura preza pelo planejamento, observação e entendimento dos aspectos locais, então é importante levar em consideração tudo que possa influenciar o processo, como a incidência solar, o relevo e as curvas de níveis do terreno, a precipitação, o clima, vegetação existente, direção e intensidade dos ventos e uma gama de características importantes para o bom funcionamento de uma área de cultivo.

Exemplo de um projeto de permacultura.

Assim, considerando esses aspectos, definimos uma área onde a horta seria montada. Como estava habituado aos padronizados e tradicionais canteiros retangulares, geralmente de alvenaria, o que me chamou atenção nesse processo, foi o formato escolhido para a horta, circular, como uma mandala, no qual teríamos 3 “raios” de canteiros.

Horta circular – Curso de Permacultura.

Como todos reunidos, as primeiras instruções foram para coletarmos materiais secos, como galhos, palha, folhas entre outros. Com o material em mãos, começamos a montagem da horta, dispondo os maiores galhos no chão e cobrindo-os com uma camada de folhas e poda seca, formando assim, o raio mais externo da horta. Em seguida, utilizando também um dos princípios da sustentabilidade, reutilizamos alguns pneus velhos que estavam armazenados no local. Com eles, fizemos o segundo e terceiro raios enchendo-os também com os materiais secos menores como pequenos galhos e restos de poda. O próximo passo foi colocar uma camada de terra fértil sobre o material seco. Utilizamos a terra que existia no local junto com adubo comprado na cidade.

Como a horta estava iniciando, esses insumos externos foram necessários, porém, com o andamento do processo, a ideia é que o próprio sistema gere os insumos necessários para sua manutenção através de mecanismos como, por exemplo, a compostagem. Como última camada dos canteiros, cobrimos todo a terra fértil com mais uma camada de materiais secos, como folhas e palhadas. O intuito dessa última camada é proteger o solo fértil, seja do calor do sol que seca a terra e acaba com os nutrientes, seja da chuva que lixivia e lava os nutrientes dos canteiros.

Cobertura com material seco para proteção do solo

Por fim, plantamos as mudas que tínhamos à disposição, colocando cultivos maiores como brócolis, couve-flor, beringela, abóbora no raio mais externo dos canteiros, o raio do meio foi usado para hortaliças como alface, rúcula e o raio central concentrou temperos e chás. Outro fator importante é a irrigação, a instrução que recebemos foi de molhar logo cedo pela manhã e ao final da tarde em dias mais quentes e evitar irrigar entre as 10:00 e as 16:00 devido à alta incidência solar que acaba “cozinhando” as plantas. Obviamente que os fatores irrigação e incidência solar também dependem de que tipo de plantas você tem na horta, o plantio nesse caso precisa levar em consideração a compatibilidade das plantas, como cada uma interage entre si e entender se há uma relação benéfica ou destrutiva. A esse “arranjo” da horta, dá-se o nome de consórcios, um dos mais difundidos por exemplo é o “MILPA” (Milho, feijão e abóbora). Existem muitos estudos a respeito dos consórcios e mais detalhes abordaremos em artigos posteriores. Além da horta em si, construímos outras estruturas de apoio.

A compostagem foi uma delas, o local foi escolhido devido à proximidade da cozinha, ponto de maior geração de resíduos orgânicos. O método escolhido foi a compostagem estática, através de pilhas de compostagem. Já existia uma “baia” de tijolos construída que foi dividida em dois compartimentos. O processo é bastante simples, basicamente fazer a disposição dos resíduos orgânicos e cobri-los com material seco (Serragem, folhas). Ao encher um dos compartimentos, o processo continua no seguinte, isso permite que você sempre tenha área útil para colocar os resíduos orgânicos enquanto a outro compartimento finaliza o processo de transformação em adubo. Em cerca de 3 meses o composto estará pronto para uso.

Disposição dos resíduos orgânicos no compartimento para compostagem
Cobertura dos resíduos orgânicos com serragem

Outro componente que construímos foi um viveiro para criação de mudas e sementes, com a estrutura de madeira e recoberto com sombrite, a fim de diminuir a incidência do sol e permitir um ambiente mais agradável para o desenvolvimento das mudas.

Viveiro de mudas

A permacultura, como citado anteriormente, possui outros componentes que pudemos vivenciar durante o curso, como atividades de bioconstrução, princípios para formação de ecovilas, uma dieta vegetariana ou vegana, entre outas experiências. Mas importante ressaltar, que esse primeiro contato prático com essas técnicas de cultivo mais sustentáveis, sem agrotóxicos e apoiadas nos processos naturais foram os responsáveis por acionar aquele “gene agricultor”, adormecido em mim, e me levaram à outras aventuras, que contarei daqui para frente. Obrigado!

Gustavo Ritzmann: apaixonado pelo potencial que a sustentabilidade e a educação podem causar no mundo. Engenheiro de produção, busca por soluções inovadoras e variadas para fazer melhor e diferente. Ama aprender e trocar experiências e tem coragem e determinação para seguir com o seu propósito.